quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A releitura de um mito

Quem inventou o avião? Se você é brasileiro, provavelmente responderá “Alberto Santos-Dumont”. Já os norte-americanos não hesitarão em dizer que foram os irmãos Wright. Franceses, alemães, russos e romenos também atribuem essa invenção a cidadãos de seus países. Pouca gente se dá conta, mas a aviação só se tornou possível após esforços de inúmeros engenheiros, inventores e, por que não, sonhadores. Com muitos deles trabalhando simultaneamente em seus projetos, fica difícil saber qual foi o pioneiro. É essa polêmica histórica que Conexão Wright – Santos-Dumont: a verdadeira história da invenção do avião pretende passar a limpo. O segundo livro do jornalista Salvador Nogueira defende, contrariando muitos brasileiros, que os irmãos Wilbur e Orville Wright conseguiram voar três anos antes de Alberto Santos-Dumont. Mas também mostra que não se deve dar todo o crédito somente a eles (nem a ninguém isoladamente). Os defensores dos irmãos Wright atribuem aos quatro vôos feitos com o Flyer em 17 de dezembro de 1903 o pioneirismo da aviação. Os partidários de Santos-Dumont, no entanto, alegam que o avião norte-americano não levantou vôo por meios próprios e decolou de um terreno inclinado, além de não ter sido presenciado por uma comissão técnica. Para eles, o primeiro vôo completo da história foi o do 14 Bis , realizado em 12 de novembro de 1906 e homologado pela Federação Aeronáutica Internacional. Salvador Nogueira defende o pioneirismo dos Wright, mas não tira o mérito do “pai da aviação” brasileiro e tampouco defende que ele tenha se apropriado da invenção dos irmãos norte-americanos. Ele enfatiza que as tecnologias utilizadas por ambos eram muito diferentes e que a do brasileiro se comprovou a mais eficaz ao longo do tempo, tanto que seus princípios são utilizados até hoje. O autor vai ainda mais longe: embora sustente que os Wright foram os primeiros a voar com um artefato mais pesado que o ar, acredita que eles atrasaram o desenvolvimento de novas tecnologias nos Estados Unidos por um bom tempo, devido a disputas de patentes. Enquanto isso, Santos-Dumont deixou seus projetos à disposição de qualquer um que quisesse utilizá-los. Filho de muitos pais O ponto principal do livro, no entanto, é mostrar a complexidade do processo de criação do avião. Nogueira mostra que a aviação não teve um pai, mas vários, desde o italiano Leonardo da Vinci – o primeiro a projetar um aeroplano – até os contemporâneos de Santos-Dumont e dos irmãos Wright. Por essa razão, apresenta alguns inventores – como o norte-americano Samuel Langley, o alemão Otto Lilienthal e os franceses Gabriel Voisin, Louis Blériot e Henri Farman – como importantes personagens da história da aviação. Além deles, Nogueira destaca também o papel de outros grandes incentivadores da aviação, como os franceses Henri Deutsch de la Meurthe e Ernest Archdeacon, que instituíram prêmios e estimularam vários inventores a se dedicarem à construção de aeroplanos. Em Conexão Wright – Santos-Dumont , Salvador Nogueira organiza a história de todos esses personagens e as apresenta em uma narrativa romanceada, que mistura realidade e ficção. O autor recorre a diálogos inventados, mas que expressam o modo de pensar dos personagens, misturados com cartas e matérias de jornais. No entanto, o livro não se distancia dos fatos, colhidos após anos de pesquisas em arquivos e entrevistas com especialistas. O livro é escrito em linguagem simples, que permite a compreensão dos termos técnicos de aviação. A leitura também é facilitada pela organização dos capítulos, feita por anos, que não deixa o leitor se perder entre tantas histórias paralelas e, ao mesmo tempo, intercruzadas. Com uma narrativa bem estruturada, que prende a atenção do início ao fim, Conexão Wright – Santos-Dumont é um convite para uma viagem no tempo, que leva o leitor a reconstituir os passos que levaram a uma das maiores invenções do século 20.

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