quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O céu é o limite?

O atletismo vem sendo sacudido há cerca de um ano. O responsável por essa revolução é um sorridente rapaz de apenas 23 anos chamado Usain Bolt. Os feitos desse atleta jamaicano têm levado os estudiosos do esporte a se questionar sobre quais seriam os limites naturais para a capacidade fisiológica humana e até quando veremos quebras de recordes nas diversas modalidades do atletismo. Em duas ocasiões, Bolt venceu os 100 e os 200 metros rasos e participou da equipe vencedora do revezamento dos 4x100 metros rasos: nas Olimpíadas de Pequim (China), em agosto de 2008, e, mais recentemente, no Mundial de Atletismo em Berlim (Alemanha), no mês passado. Nas duas competições, Bolt superou com enorme facilidade o recorde mundial nos 100 metros rasos. Em Berlim, o atleta obteve mais um feito: ele se tornou o detentor da quebra do recorde dos 100 metros rasos com a maior diferença da história, incríveis 0s11 (11 centésimos de segundo) abaixo da marca anterior! Além disso, em Pequim, o atleta jamaicano também suplantou com um sorriso nos lábios o recorde dos 200 metros, que já durava 12 anos. Os resultados obtidos pelo fenômeno Bolt chamam ainda mais a atenção quando levamos em conta que quebras de recorde mundial no atletismo masculino são fenômenos raros. As marcas costumam se manter por longos períodos – em média, por cerca de 8 anos e 11 meses. Os recordes femininos no atletismo duram mais, 14 anos e 9 meses, em média. Em outras modalidades, como a natação, a quebra de recordes é bem mais comum e ocorre, em média, com intervalos de poucos meses. Por que será que isso ocorre no atletismo? Estaríamos perto de alcançar os limites fisiológicos humanos? Ou teríamos tido gerações de atletas menos qualificados e, portanto, incapazes de suplantar as marcas anteriores? Previsões
Pesquisas conduzidas por Mark Denny, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e publicadas no final de novembro de 2008 no Journal of Experimental Biology analisaram a evolução histórica e os limites para o desempenho atlético humano em comparação com o desempenho de cães e cavalos utilizados em corridas. A partir da análise dos dados obtidos, foi também previsto quando essas marcas humanas seriam alcançadas. Os resultados indicam que provavelmente já foi alcançado o limite para o desempenho atlético de cães e cavalos de corrida. Apesar da melhoria recente das técnicas de criação e de seleção genética, houve poucas alterações na velocidade desses animais nas últimas décadas. O mesmo já não vale para a velocidade humana: ao analisarmos os resultados registrados desde os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, realizados em 1896 na Grécia, pode-se concluir que ainda não atingimos o limite em nenhuma das modalidades atléticas. Contudo, segundo essa investigação, os limites humanos não estão distantes. Nos 100 metros rasos, por exemplo, Denny estima que o limite humano máximo esteja próximo de 9s48, 10 centésimos de segundo abaixo dos 9s58 cravados por Bolt em Berlim. Entre as mulheres, o recorde atual dos 100 metros rasos (10s49) se mantém há 20 anos e pertence à norte-americana Florence Griffith-Joyner. Denny supõe que o limite máximo para essa prova seja de aproximadamente 10s19. Já a maratona feminina deve de ser a primeira prova a ter o seu limite máximo alcançado. O recorde atual dessa modalidade (2h15min25), batido em 2003 pela inglesa Paula Radcliffe, poderá ser reduzido em mais 3 minutos apenas, alcançando algo em torno de 2h12min41s. O efeito Bolt No entanto, as previsões de Denny podem não estar totalmente corretas, e parte das falhas em seus cálculos ficou clara depois dos resultados obtidos por Bolt. As previsões dos limites atléticos humanos dependem da análise da tendência das marcas previamente obtidas. É aí que está o problema!
Para entendermos como são feitos esses estudos, analisemos um trabalho similar realizado pelo estatístico Tatsuo Tabata, pesquisador do Instituto de Avaliação de Dados e Análises, no Japão. Ele elaborou um modelo que considerou todos os recordes na prova dos 100 metros rasos. Segundo os dados desse modelo, o recorde de Bolt em Pequim deveria ser esperado somente em 2030. A marca obtida por Bolt em Berlim, por sua vez, era aguardada para um pouco antes de 2040! Devido às façanhas de Bolt, foi preciso reajustar as equações para calcular a velocidade humana máxima. Até 2005, as análises conduzidas pela equipe de Tabata sobre a evolução dos recordes na prova de 100 metros rasos permitiam um bom ajuste com uma função exponencial que empregava uma constante e considerava um valor limite para essas marcas. Os dados registrados até 2005 geravam limites máximos de 9s66 para os recordes dos 100 metros rasos. Quando, após a vitória de Bolt em Pequim, foram levados em conta os resultados alcançados até 2008, as previsões feitas posteriormente chegaram a um patamar máximo de 9s43. Um ano depois, com o novo recorde do jamaicano em Berlim, as expectativas diminuíram para um limite de 9s09. Você pode até estar pensando que esse tipo de investigação não leva a nada e que se trata de um simples exercício vazio de futurologia. Porém, o uso da análise de séries históricas para a realização de previsões tem um profundo significado e se aplica às mais diversas áreas da ciência. A previsão do surgimento de uma nova epidemia de gripe, a análise do grau de destruição das florestas tropicais ou dos efeitos dos gases estufa são apenas alguns exemplos de aplicações possíveis desse método. De qualquer forma, após o fenômeno Bolt, podemos chegar a algumas conclusões. Em primeiro lugar, vemos que os modelos empíricos para descrever os limites do desempenho humano no atletismo são ainda muito pobres. Além disso, notamos que é muito difícil prever algo que dependa da biologia humana, cheia de minúcias e, muitas vezes, sujeita ao imponderável. Devemos sempre ter em mente que esses valores foram calculados por matemáticos e que, obviamente, não levam em conta a fisiologia humana. Eles trabalham simplesmente com dados e pressupõem que os ganhos de velocidade humana foram desacelerando gradualmente até que alcancem um limite máximo.

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