sábado, 24 de outubro de 2009

Colisões comprovam estranha ligação entre trio nuclear

Artesãos de todo o mundo esculpiram, séculos atrás, anéis e triângulos ligados de uma maneira muito parecida como se comportam partículas dentro de núcleos instáveis.
Esse comportamento foi observado recentemente por Takashi Nakamura, do Instituto Tecnológico de Tóquio, com 24 colaboradores dessa e de outras instituições japonesas e dos EUA, dentro do Lítio com peso atômico 11 (Li-11).
Embora tenha o peso de um núcleo normal pequeno como o Boro-11, o Li-11 é do tamanho do Chumbo-208.
Como todo núcleo atômico, ele é formado por partículas de carga elétrica positiva, os prótons, e partículas sem carga, os neutrons. Os núcleos com 3 prótons são chamados de Lítio e têm geralmente 3 neutrons. Isso porque um número aproximadamente igual de prótons e neutrons faz o núcleo existir por mais tempo.
O Li-11, porém, é instável porque tem 8 neutrons. Ele se desintegra facilmente e é, portanto, incapaz de formar os núcleos dos átomos que constituem os materiais.
Seus 3 prótons ficam bem juntos de 6 de seus neutrons, formando um subnúcleo de Li-9, enquanto os outros 2 neutrons circulam em torno e através do subnúcleo.
Physica Scripta, Vol. T88, 209-213, 2000

Um fermi (fm) equivale a dez mil bilionésimos de centímetro. É uma unidade muito usada em física nuclear.O núcleo de Lítio-11 tem aproximadamente12 fm de comprimento, quase o mesmo tamanho de um núcleo de Chumbo-208. Ele é composto de um subnúcleo de Lítio-9 e dois neutrons.
O subnúcleo e os 2 neutrons estão juntos de modo que separar um deles dos outros desfaz o sistema inteiro. Esses núcleos foram batizados de borromeanos em 1993, pelo físico Mikhail Zhukov, que os comparou com o brasão da família italiana Borromeo. No símbolo, há três anéis entrelaçados. Um dos anéis só pode ser removido quebrando os outros dois.
Da esquerda para direita: símbolos borromeanos em detalhes de uma porta da igreja de San Sigimondo, Itália, no templo xintoísta O-Miwa, Japão e no navio viking de Oseberg, Noruega.
"Núcleos borromeanos são importantes para o processo de nucleossíntese no universo e nas estrelas", explica Mahir Hussein, do Instituto de Física da USP. Eles devem existir brevemente nos passos intermediários das cadeias de reações nucleares que acontecem no interior de estrelas gigantes
Os pesquisadores conseguiram as melhores evidências até hoje da existência de estrutura borromeana dentro de um núcleo atômico, como está descrito na Physical Review Letters de 30 de junho, por meio de uma nova técnica que aumentou muito a sensibilidade de seus instrumentos.
"Outros laboratórios poderiam fazer o mesmo se investissem mais no sistema de aquisição de dados", comenta Hussein. Desmanche nuclear
Para criar e analisar esses núcleos instáveis, Nakamura e sua equipe aceleraram átomos comuns de Oxigênio-16 despidos de seus elétrons — um tipo de íon pesado — no Instituto de Pesquisas Físicas e Químicas (RIKEN, em japonês), em Wako, Japão.
Esses íons pesados, ao atravessarem uma placa de berílio (Be), se quebravam em pedaços menores e instáveis, como o Li-11.
Então, os núcleos de Li-11 eram separados e focalizados em um feixe. Quando esse atravessava uma placa de chumbo, cada Li-11 se desmanchava em uma colisão com um núcleo de chumbo.
Do outro lado da placa, detectores registravam a posição e a velocidade dos núcleos de Li-9 e dos neutrons. Assim, os pesquisadores conseguiram determinar suas trajetórias e, a partir daí, deduzir a estrutura interna do Li-11. Para isso, precisaram de uma teoria que descrevesse as forças entre os seus componentes.
Essas forças se originam das interações fundamentais entre quarks e glúons que existem dentro dos prótons e neutrons.Teoria na prática
Como os teóricos não conseguem calcular essas forças diretamente a partir das interações fundamentais, eles precisam fazer aproximações. O problema é saber que partes das interações entre as partículas são mais intensas que outras.
Calcular forças entre três corpos (o Li-9 e os dois neutrons) é um problema famoso na física por sua dificuldade. Hussein conta que "para simplificar os cálculos, usava-se um modelo chamado de dineutron, em que os dois neutrons são tratados como uma partícula só".
Os modelos de núcleos borromeanos, porém, foram desenvolvidos com o tempo pelos teóricos para levar em conta cada neutron e a interação entre eles.
Os modelos borromeanos indicam que, em experimentos como o do RIKEN, os detectores registrariam um número maior de colisões com energia em torno de 1 MeV (mega eletron-volts). É um pico de colisões de baixa energia, quando comparado com os picos entre 10 e 20 MeV dos núcleos comuns.
Laboratórios ao redor do mundo registraram indícios desse pico, mas os valores encontrados eram muito diferentes uns dos outros. Um dos experimentos chegou até a registrar um pico duplo.
Segundo Nakamura, a sensibilidade a baixas energias desses experimentos não era suficiente para tirar conclusões.
A nova experiência do Laboratório de Física Nuclear de Íons Pesados do RIKEN, entretanto, tem uma sensibilidade muito maior porque utilizou detectores duplos de neutrons e analisou um número maior de colisões.
Physical Review Letters, 96, 252502 (2006)

Esquema do aparelho usado na nova experiência,no RIKEN. Uma das novidades foi o uso de duas paredes de detectores de neutrons (n, na figura). Assim, os pesquisadores conseguiram determinarmelhor a trajetória dos pares de neutrons produzidos na desintegração do Li-11, junto com o Li-9, registrado em um detector separado.
Eles registraram um pico bem delineado, em torno de 0,3 MeV, muito abaixo do que os outros experimentos eram capazes de medir.
Hussein observa que outra indicação de que o Li-11 é borromeano são as direções em que os dois neutrons saíram voando após a colisão. Eles fizeram um ângulo em torno de 50 o com relação ao núcleo de Li-9. "Se as forças entre os neutrons não fossem importantes, o ângulo estaria perto de 90o", explica, no artigo, Nakamura.
Os novos dados chegam bem perto do previsto pelo modelo de 3 corpos borromeanos que Henning Esbensen, do Laboratório Nacional Argonne, EUA, e George Bertsh, da Universidade de Washington, EUA, propuseram em 1992. A teoria precisa, entretanto, ser melhorada para dar conta deles.
O importante é que, com medidas mais precisas, os teóricos têm mais pistas com que trabalhar. "Este é o melhor experimento com qualquer núcleo com halo", comenta Esbensen.

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